segunda-feira, 11 de abril de 2016

Autismo e Relacionamentos - Por que é tão difícil?

“Você vive sonhando com um mundo que não existe”. 


Eu estaria mentindo se começasse dizendo que nunca ouvi essa frase – ou algo parecido - alguma vez na vida. 

A verdade é que eu nunca soube por que relacionamentos interpessoais são tão difíceis para mim e nem sei explicar o motivo pelo qual mantê-los pode se tornar um pesadelo ou, talvez, uma benção.



Blue Girl by Lora Zombie

Sempre fui uma criança tímida, extremamente reservada e tinha pouquíssimos colegas na escola. A parte mais difícil era entender o motivo pelo qual as outras crianças gostavam tanto de brincar de pique-esconde ou no parquinho e, eu, por outro lado, não tinha a menor paciência para aquilo, muito menos com as pessoas.

Contudo, aos dez anos, tive meu primeiro desafio social. Ao entrar no fundamental, mudei de escola e era tudo tão diferente, novos colegas... precisava fazer novos amigos, pelo menos tentar. Foi muito difícil. Mas, ainda assim, não tão sofrido porque eu tinha meu irmão do lado para me ajudar a socializar.

Graças a Deus que eu tinha o Rafa na escola e ainda bem que eu tinha minhas bonecas em casa . Quem leu o meu texto anterior “Carta de uma Autista para Pais de Autistas” sabe que o Rafa (irmão) e eu frequentávamos “estrategicamente” a mesma sala de aula para ele me dar suporte.

Mas, o real motivo desse texto é para contar que eu só descobri, de verdade, o que era cultivar relacionamentos fraternos por minha conta aos 14 anos. Nessa idade,  mudamos de casa e fomos transferidos novamente de escola. E, dessa vez, na nova escola, eu e meu irmão acabamos ficando em turmas separadas, ele na turma A e eu na turma C  (devido a um provável sistema de separação de alunos pelo potencial acadêmico ou por notas) .

Foi a primeira vez que tive realmente que me virar sozinha – fazer novos amigos sozinha, copiar a matérias sozinha, entender o conteúdo sozinha.

Melhor amiga


Era hora de ter os meus amigos e não ter os amigos do meu irmão. Conheci, então, a Isabela e, depois de alguns meses, eu já não a chamava mais pelo nome e sim pelo apelido que eu tinha dado a ela: Bela.


Conversávamos, fazíamos trabalhos juntas e logo a amizade foi crescendo. Tanto que ela me convidou para o seu aniversário de 15 anos. Para isso acontecer é porque fui considerada um pessoa muito importante e - nesse momento - entendi que era muito legal ter uma amiga que não fosse a minha mãe.

Uma amiga para quem eu contava tudo. Crescemos, trocamos de escola, mas a amizade nunca foi embora porque eu e a Bela somos amigas até hoje.

Melhores amigos

No ano seguinte, minha mãe deu um jeitinho de me colocar na mesma turma que o Rafa de novo. E, eu adorei! Isso porque conheci outras pessoas super legais e me achei super crescida só porque eu tinha um grupo de amigos com mais de três pessoas.


Aquele ano, dividi muitas histórias com o Josué, com a Stephanie e com o Gabriel, além do Rafa. Demos tantas risadas juntos, saímos juntos, brigamos e, pela primeira vez em anos, eu sentei no fundão da sala.

Desse grupo todo, o Gabriel foi o único que seguiu comigo e o Rafa para o Ensino Médio. O primeiro ano foi mágico, mas também infernal, passamos por tantos problemas, por tantos momentos de “Eu não quero mais estudar nessa escola”, mas superamos! Todos nós, juntos.

Melhor Professor (ou não)


Os outros anos, no entanto, foram como a Idade Média para mim. Foi o período mais obscuro pelo qual já passei. Primeiro porque me separaram do Rafa e do Gabriel novamente e, segundo, porque eu tinha um professor que não nos entendíamos em nada e nem sequer conseguíamos manter dez minutos de diálogo.


Todavia, não posso esquecer dos mestres que me deram inspiração. Rosélio, agradeço a paciência que teve comigo e com a minha mãe. Esse texto também é para você! Afinal de contas, a inspiração de fazer Pedagogia tinha que vir de algum lugar e, sim, você foi o responsável por isso também!

Melhor experiência

A faculdade de Pedagogia, claro, foi a melhor época que eu tive na vida já que, no segundo ano, mais da metade da minha turma já sabia que sou autista.


Aliás, eu devo um agradecimento especial por terem votado em mim para representante de turma. Foi um marco para o meu amadurecimento. Não, não ganhei a eleição, mas ganhei um cargo de vice-representante de turma, dividindo o reinado com a Fabiana. 

Nossa, eu não podia terminar esse texto sem citar a Bia, apelido carinhoso da Fabiana, com quem dividi, por quatro anos, o reinado da nossa turma. Pensei tantas vezes em desistir, mas ela nunca deixou e, honestamente, aprendi tanto nesses anos, especialmente a me comunicar melhor. Hoje em dia moramos em estados diferentes, ela é mãe e eu não, contudo, nos falamos pelo Facebook sempre que podemos. 

Assim como aconteceu com a Bela, a amizade com a turma da faculdade também permaneceu. Falamos pelo Facebook, WhatsApp e esses relacionamentos são a melhor parte da minha vida nos últimos tempos.

Conheci tanta gente na faculdade que não conseguiria citar todo mundo aqui, mas quero dizer que fazer parte dessa turma foi uma honra porque, por mais orgulho que eu tenha de dizer que sou autista, vocês me aceitaram como ser humano predisposto ao erro e ao acerto. E, isso, não tem preço. Obrigada gente!

Agradeço ainda aos meus pais e ao Beh por terem estourado a bolha e me mostrado o quanto o mundo pode ser belo se eu enxergar o lado bom da vida. É, relacionamentos são, na verdade, o lado bom da vida quando existe aceitação, respeito e amor envolvido.

Voltando a frase inicial do texto “Você vive sonhando com um mundo que não existe” eu agora respondo.  Sim, eu vivo sonhando mesmo! O que as pessoas não sabem é que esse mundo existe. E também é escolha delas entrar nele ou permanecer do lado de fora.



Turma da Quel

Por Raquel Torres
Filha, Autista e Pedagoga
http://quelltorres.blogspot.com.br

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2 comentários:

Rozete disse...

Parabéns Quel! Você sempre foi uma vitoriosa, tanto prova que está ai pra contar e compartilhar suas conquistas. Use as oportunidades que Deus te deu para abençoar pessoas. Beijo no coração!

Rozete disse...

Parabéns Quel! Você sempre foi uma vitoriosa, tanto prova que está ai pra contar e compartilhar suas conquistas. Use as oportunidades que Deus te deu para abençoar pessoas. Beijo no coração!