sábado, 2 de abril de 2016

Anelis e seu sapato Azul

Recebo uma mensagem falando desse blog e da semana do Autismo. Pedem-me pra escrever, fico animada com a possibilidade de ajudar outras mães, mas - logo penso - escrevo sim, mas não vou me identificar porque tenho medo de represálias, do entendimento dos outros, das consequências do mundo cruel como só ele sabe ser.

Minha insônia teimosa tarda, mas não falha. São 04:36 da manhã, minha cabeça não para de pensar. Eu que tenho andado meio poeta e boêmia não posso me acovardar diante disso, e decido logo, pra dormir preciso escrever, e sendo eu, autora de minha própria vida não escreveria nunca sem a coragem de me identificar, não seria eu e sim um “fake”.



Pois então, cá estou eu Tessa (isso não é um pseudônimo por mais que pareça) mãe e companheira de vida escolhida pela Anelis, uma linda (linda mesmo, não é coisa de coruja por mais que eu não durma a noite) menininha de três anos, dona dos olhos pretinhos mais expressivos da natureza, do cabelo majestosamente cacheado pelos anjos e do sorriso mais amoroso e sincero do mundo. 

Minha pequena tem atualmente um diagnóstico de comportamentos compatíveis com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e/ou transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação. 

Se você for ler o que é, provavelmente chegará a conclusões como “viver no próprio mundo”, isolar-se, profunda dificuldade de relacionamento interpessoal, manias, agressividade, dificuldade de entendimento, pouca ou nenhuma interação e relacionamento, não enquadramento às regras sociais, inteligência muito específica ou fora da faixa normal em alguns casos, retardo mental (também em alguns casos), atraso cognitivo, automutilação, agressividade, dificuldades, psicopatia.

Agora pegue tudo o que eu falei no parágrafo anterior e jogue no lixo. Guarde apenas a minha definição: Autismo é ser Autêntico. É uma outra forma de inteligência, como bem definiu minha psicóloga. É uma forma sistemática de ver o mundo com muito, mas muito mais entendimento racional e emocional do que nós, pobres humanoides perdidos no meio da sociedade que nos afoga em regras e que nos faz viver a vida de acordo com o que a “mente coletiva” dita como certo e errado. 

É ter aquele “botãozinho do F....-se” (desculpem o termo mas não cabe outro aqui) sempre ligado com muita maestria. É fazer o que se quer, na hora que quer com muita sinceridade e pureza. E isso acontece na maioria das vezes sem invadir o limite do próximo, que é o que muitos pensam. Não! É viver conforme as próprias regras construídas na base das sensações e o que é mais bonito: apenas na afetividade se dá. 

O Autêntico só se relaciona com o “próximo” que se “aproxima” por amor, e ele percebe não sei por qual canal, apenas o amor genuíno. O autêntico não fala oi, bom dia ou boa tarde, raramente um tchau. Mas às vezes fala, e aí meu amigo, quando fala é verdadeiramente um BOM DIA. 

O contato visual é raro, mas quando acontece é tipo um arco íris no céu, conecta dois rios com muita cor e deslumbramento. Incomoda-se com a quantidade excessiva de informação visual, mas enxerga o detalhe que ninguém vê – isso é sublime. 

Não senta quando todos estão sentados, quer deitar-se no chão quando todos estão de pé. Andar pra todo o lado é bem natural – isso é estar vivo assim como a onda no mar. Para mim vida é movimento: de um lado pro outro, pra cima e pra baixo - haja visto que um traço reto no ecocardiograma significa morte. 

Muito barulho incomoda, mas que barulho? O barulho chato de uma furadeira é bem perturbador, do liquidificador dilacerador, de pessoas discutindo política... Mas o frenesi da bateria de uma banda de rock não incomoda, o trovão fascina e um bebê chorando desperta interesse: isso é ouvido seletivo, eu queria muito ter um. Os autênticos também gostam muito dos animais e de instrumentos musicais, qualquer semelhança com o que acredito ser anjo e céu é mera coincidência.

Um dia me disseram que sofro de excesso de compaixão. Depois da Anelis não acho que sofro, tenho certeza que isso é um dom. Se ter compaixão é colocar-se no lugar do outro esse é meu lema de vida, quero ver o mundo pelos olhos dela. Esse mundo é mais inteligente e evoluído que o nosso, por que é único, exclusivo, diferente e especial. 

Não sou, nunca fui e me recuso a ser padrão - isso é minha essência – por isso defendo que autismo é ser autêntico, fora do padrão e fora da caixinha – que caixinha cara pálida? Queremos estar fora da caixinha assim como o brinquedo pra ser brincado, o chocolate pra ser comido, o sapato pra ser gasto e o passarinho fora da gaiola pra ser liberdade.

Quando eu morrer quero ter a certeza de que passei a vida brincando, comendo, gastando o meu sapato com liberdade. A Anelis já nasceu assim, sorte a dela.

Tessa Alves, mãe de Anelis (3 anos)
Nutricionista


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6 comentários:

André Berriel disse...

Muito bonito Tessa! S2

Unknown disse...

Que lindo Tessa👏👏

andre disse...

Deus cruzou o caminho das duas! Sorte de ambas!

Unknown disse...

Um presente para a Anelis é ter você como mãe e outro presente para você é ter a Anelis como filha.
Presente divino.
Honra de te conhecer.
Beijo

Jaque Carioca T.O RJ disse...

Lindo. Aprendi e aprendo muito com os pequenos, adolescentes que atendo a cada novo atendimento é um dia que troco os ensinamentos pelo aprendizado de pensar em novas atividades, pensar um jeito diferente de fazer com que o cotidiano deles seja não apenas de significados e significâncias, mas seja motivo de pertencimento não em um mundo singular, mas em um mundo onde todos sejam pertencentes com suas próprias e particulares histórias.

Blog Muito Além das Fraldas disse...

Adoramos os comentários e temos que concordar que o texto da Tessa arrebentou!!!!
Obrigada por acompanharem e curtirem o #muitoalemdasfraldas.