segunda-feira, 7 de março de 2016

Violência Doméstica: Como Fênix, eu renasci das cinzas

A cada três mulheres no mundo, uma sofre agressão conjugal. No Brasil, a cada dois minutos, cinco mulheres são agredidas por seus parceiros. Por isso, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher (8 de março), venho falar deste assunto tão delicado, que me toca muito e que afeta milhares de mulheres no mundo todo.

Há quem diga que essas mulheres são vítimas do seu próprio medo, há quem diga que não saem desta vida porque não querem, há quem diga que jamais conseguiriam se separam do homem "da vida delas", há quem diga que são pelos filhos que aceitam a vida que levam, há quem diga isso ou aquilo, mas só quem sabe o que vive, o que sente, o que suporta, são elas mesmas!

Eu fui vítima de violência doméstica e vou contar minha história para vocês:



Moro na França há 7 anos e deixei tudo no Brasil para viver uma vida feliz e formar uma linda família com aquele que, meses depois, passaria a ser meu agressor. No início, ele era perfeito. Sabe aquele homem que te acorda com café da manhã na cama? Eu conheci. Sabe aquele que te liga só para ouvir tua voz? Eu conheci. Sabe aquele que não espera a data do teu aniversário para te encher de presente? Eu conheci. Sabe aquele que te envia um sms só pra dizer que esta sentindo falta da sua voz? Eu conheci. Sabe aquele que acorda de madrugada só para te ver dormindo e te acordar para dizer que você é a mulher mais linda do mundo? Eu conheci. 

Sabe aquele homem que te insulta, te chama de coisas horríveis e te deixa mauzona? Eu conheci. Sabe aquele que encontra problema em tudo só para colocar a culpa em você, te responsabilizar por coisas que você nem imagina que existem? Eu conheci. Sabe aquele que começa a subir o tom da conversa, te dá um empurrãozinho no ombro e que acaba te jogando no chão? Eu conheci. Sabe aquele que se deita do teu lado para dormir e que você vira e chora a noite toda com medo de dormir e não acordar viva? Eu conheci. Sabe aquele que te deixou sem comer, que escondeu as agendas, que coloca o telefone fixo no bolso para impedir que você ligue para alguém pedindo socorro? Eu conheci. Sabe aquele que mente, que contorce a verdade, que fala que você não vale nada só para se sentir maior e todo poderoso? Eu conheci. Sabe aquele que, na hora da raiva, não se controla, quebra tudo que tem na sua frente e não respeita as crianças? Eu conheci. Sabe aquele que se sente bem em te manipular e que, às vezes, você fica confusa e quase achando que ele tem razão mesmo e que quem não presta é você?  Eu também conheci.

Sim, conheci esse lixo de pessoa e, hoje, com muito orgulho e cabeça alta, falo que eu venci. Passei por tudo isso e mais um pouco, mas eu venci! Venci aliada à verdade, à minha coragem que busquei nem sei de onde e ao amor por minha filha. Minhas forças vieram deste pequeno ser que, na época, tinha apenas meses. Quantas vezes eu a coloquei dentro do carrinho de bebê e sai pelas ruas, às 21h, sozinha, no frio, no escuro. Saia para não enlouquecer, para me proteger, saia sem rumo, saia daquele inferno para não ficar louca. Sem amigos, sem família, sem ninguém, eu passei longas noites imaginando como sair daquela situação, sem emprego, sem casa, sem nada e com tudo: coragem e minha filha nos braços.

Em uma noite de novembro, após uma briga feia, eu decidi ligar para a polícia. Vieram em casa e puderam presenciar a cena. Fui embora naquela noite mesmo com ajuda de uma conhecida brasileira (e, pasmem, ex mulher daquele monstro) que me acolheu na casa dela com minha filha. Lá eu tive conforto, segurança e paz, coisas que eu não vivia há tempos. Naquela noite eu revivi, me senti como Fênix que renasce das cinzas. Foi o início de uma nova vida.

Entrei na justiça, o denunciei, ele foi julgado e condenado. Tive apoio e acompanhamento necessário para me reerguer em meio a todo esse conflito. Tudo era tão confuso na minha cabeça… imagino como era na cabecinha da minha filha que, na época, tinha só 14 meses. Ela, assim como eu, sofreu demais. Assistentes sociais e psicólogos puderam nos ajudar, tanto psicologicamente quanto financeiramente, porque eu não tinha trabalho, não tinha dinheiro nem para comprar o leite, mas nunca passamos um dia sequer sem nada na geladeira. Moramos sozinhas, tivemos apartamento e ajuda do governo até conseguirmos autonomia. 

Minha mãe, minha fortaleza, sempre preocupada comigo nunca me desamparou. A vontade dela era que eu pegasse o primeiro avião e voltasse para o Brasil, mas eu não queria isso para mim e nem para minha filha. Nosso destino estava traçado aqui, eu sentia isso, e voltar não era a melhor solução naquele momento. Demorei meses para me estruturar psicologicamente, vivia com medo, triste e chorava demais. Tive início de depressão e minha filha também precisou de acompanhamento clínico pois ficamos com sequelas graves de tudo que o pai nos submeteu. Creio e tenho fé que um dia tudo entrará em ordem na sua cabecinha pois, agora, ela é uma criança muito feliz e, eu, uma mulher realizada.

Conheci, finalmente, um homem de verdade, que me assumiu com todas as minhas cicatrizes, dores, e que me apoia muito. Cuidou de mim, da minha filha, e cuida até hoje. Casamos e temos mais um menininho. Formei uma linda família, meu orgulho e meu tesouro mais precioso. Quando olho para trás e vejo o que vivi, o que passei, e onde cheguei, eu sinto muito orgulho de mim, da força que tive. 

Eu me superei, mas muitas mulheres ainda são vítimas de violência doméstica todos os dias. E é por elas que eu escrevo. É por você, guerreira! Por você que se pergunta: "Como eu vou conseguir?" Eu te digo, "Sim! Você consegue porque você é forte!" Para você que acha não ter mais força, eu te digo: "Sim! Você é guerreira e não merece viver nessa vida infeliz! Olhe para frente, planeje, projete uma nova vida, um amanhecer sem choro, sem angustia e você verá que também pode renascer das cinzas e voar. Somos mulheres, somos força e coragem! Busque tudo isso dentro de você, encontre-se, não tenha medo de recomeçar, não tenha medo dos obstáculos. Sua nova vida só depende de você dar o primeiro passo, hoje. Acredite, vai valer a pena."

Samara, 31 anos, mãe de dois filhos.
Formada em Letras, a brasileira mora na França há 7 anos.


Ligue 180 - Como funciona?

A Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 é um serviço de utilidade pública gratuito e confidencial, oferecido pela Secretaria de Políticas para as Mulheres do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. O atendimento é oferecidos 24 horas por dia, todos os dias, inclusive sábados, domingos e feriados. 

Fonte: Secretaria de Políticas para as Mulheres


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