quinta-feira, 10 de março de 2016

Princesa x Mulher Maravilha

"Por que se vestir de princesa é lindo, mas se vestir de super-herói é o máximo, mamãe?" Porque vivemos em uma sociedade machista, meu amor. Só isso. As mulheres estão buscando sua independência há décadas e ser a super-heroína da própria história ainda é nosso objetivo principal.

Até 1960 o modelo das famílias era totalmente patriarcal, ou seja, o homem mandava na casa e obedecia a mulher que tinha juízo. Conseguir um bom casamento e ser a esposa perfeita era a meta de qualquer mocinha de respeito. O amor era então somente um curto prazer dos inconsequentes. Minhas avós que o digam.


Foto de Suzanne Middelberg, galeria wonderwoman.

Minha avó paterna era ótima bordadeira, costureira, cozinheira. Aos 15 anos, foi levada do interior do Espírito Santo para ser dama de companhia de mocinhas ricas no Rio de Janeiro. Ensinava as meninas as prendas domésticas e as acompanhava ao teatro. Virou modista, fazia até vestidos de noiva. Conheceu um lindo moreno de olhos verdes. Logo casou-se e trocou a moda por esporádicos serviços de costura em casa. Criou 6 filhos, quatro seus e dois do coração. Meu avô paterno morreu cedo e minha avó então ficou sem chão. Não sei em quantas casas morou de aluguel (meu pai diz que foram mais de 20). Certamente ela procurava alguma coisa, algum porto seguro, algum lugar melhor no mundo. Mas, acho que nunca encontrou.

A família da minha avó materna veio de Portugal para fugir da fome, viram muita gente morrer ao longo da viagem de navio. Contavam que jogavam corpos ao mar, todo dia. Talvez, por isso, minha vó queria ser enfermeira. Mas seu pai não deixou. “Onde já se viu mulher direita trabalhar fora?” Então  vovó conheceu um rapaz alto, de olhos azul piscina e casou-se aos 19 anos. Trocou a cidade grande pelo campo, teve 4 filhos e guardou o sonho na gaveta. Não só o de trabalhar com enfermagem mas, certamente, muitos outros. Minha avó tinha mesmo os olhos tristes. Um olhar não mente.

Já minha mãe quis fazer diferente. Queria ser independente. Mesmo antes da Revolução feminista (meados dos anos 70) resolveu estudar. Naquela época, as mulheres não tinham muita escolha e as poucas opções de trabalho feminino fora de casa estavam ainda relacionadas a “arte de cuidar”. Você podia ser enfermeira, secretária ou professora. Podia, mas enfermeira e secretária ainda carregavam um viés sexy demais para mocinhas direitas. Minha mãe então escolheu a pedagogia. O uniforme com sainha de pregas e sapatos de boneca camuflava seus princípios feministas. A melhor escolha para quem queria gritar para o mundo “Posso ser linda e inteligente, você vai ver!”.

Cá com meus botões, linda sempre foi um dos adjetivos mais importante para a mulher em todos os tempos. Se você nascesse bonita (e tinha que ter a sorte porque naquele tempo não existia o artifício da cirurgia plástica) tinha muito mais chances de conseguir um “bom partido” para “subir na vida” e “abrir as portas” da sociedade. Ou seja, você precisava de um homem, para ter uma situação financeira estável e ser respeitada.

Em contrapartida, inteligente devia ser o adjetivo mais importante para os homens. Se você fosse inteligente, mesmo que não fosse “abastado”, teria chances de “enricar” e casar com uma “bela donzela (virgem)” e se afirmar perante a sociedade.

Mas, voltando a história da minha mãe, ela foi a primeira da família a fazer faculdade e tem o maior orgulho disso. Lecionava para viver a liberdade que buscava. E, assim, pode encontrar um novo tipo de amor. Um amor que permite que você não precise ficar junto para sempre, mas sim que você escolha ficar junto para sempre (ou não). Ela conseguiu sua independência de pai e de marido. Casou com 25 anos e teve dois filhos lindos (com direito a licença poética).

Hoje, é avó de 5 netos, sendo 3 princesas que, ao longo da vida, certamente colocarão também o traje de mulher maravilha. “A verdade é que ninguém é realmente independente sem antes conseguir a independência financeira, minha filha”. Pois é, essa é a mais pura verdade.


Por Cinthia Fontoura, mãe de 3 

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